Thursday, May 13, 2021

NOVO CURSO - Contexto Judaico do Apocalipse

  Em breve estarei lançando um curso online sobre o contexto literário e histórico Judaico do livro do Apocalipse. Se tiver interesse por favor entre em contato com rodrigog@eteachergroup.com

A página para o curso está sendo criada, aguarde!!

Revelation - A Jewish Apocalypse | Contextus Biblicus (teachable.com)

Thursday, July 30, 2020

Milagres demoníacos?

Na aula 6 (Betesda e literatura rabínica) há uma referência à vara de Moisés como instrumento simbólico do poder divino. Como explicar que em Êxodo os magos do Egito também realizam milagres à semelhança do que Arão fez sob a ordem de Deus?

Primeiramente acerca da vara de Moisés, ela serve como instrumento de ação divina principalmente nos episódios miraculosos antes da revelação pessoal de Deus no Sinai. Esses episódios são: as 10 pragas, a abertura do Mar de Juncos (em algumas traduções “mar Vermelho” – mais sobre isso no curso de Geografia bíblica), a água da rocha em Refidim e a luta dos Israelitas contra os Amalequitas. Depois disso, ela meio que some de cena e eventos sobrenaturais diminuem também. Objetos em si na Bíblia não possuem poder intrísico mas apenas quando em relação com Deus ou outra fonte sobrenatural. No mundo bíblico o mundo físico é afetado por ações de seres sobrenaturais. É aqui que entram os mágicos do Egito.


Conforme o livro de Êxodo por quatro vezes os magos do Egito conseguiram realizar algo semelhante ao que o Deus de Israel havia feito (7:11-12, 22; 8:3). Após as serpentes, as águas em sangue, e as rãs há uma divisão entre os Israelitas e os Egípcios. Até então parece que as pragas afetaram toda a terra do Egito (7:20,21; 8:5,6, 16). A partir da terceira praga, de piolhos, os magos não conseguem simular a ação do Deus de Israel e da quarta praga em diante, há uma separação entre a terra de Gósen, onde os Israelitas moravam, e o restante da terra do Egito (8:22,23; 9:6,7,26; 10:23; 11:7). Nas 7ª e 10ª pragas, da chuva de pedra e morte dos primogênitos, quaisquer que obedecessem o alerta de Moisés escaparia da destruição (9:19-21; 12:23).


As exceções são a 6ª praga (úlceras – “toda a terra do Egito” 9:9) e, possivelmente a 8ª praga, dos gafanhotos na terra (10:5 e 6). Digo possivelmente porque o v.5 diz que os gafanhotos destruiriam o restante que a saraivada de pedras não destruiu. E conforme 9:26 a terrá dos Israelitas não foi afetada por essa praga. Mesmo que os gafanhotos tenha comido a plantação dos Israelitas isso não afetoua longo prazo porque em breve eles saíram da terra e não dependeram da alimentação do Egito.


Assim, há uma progressão nas 10 pragas em relação a ação de Deus contra os Egípcios. Nos três primeiros sinais que são replicados pelos magos do Egito o Deus de Israel não se mostrara superior. As próximas pragas, no entanto, demonstram não só que o Deus de Israel é mais poderoso como demonstra que todos os Egípcios que acreditassem nEle seriam libertos (8ª e 10ª praga).


Então o que é deixado claro na narrativa do Êxodo é que forças sobrenaturais afetam a natureza, e que o Deus de Israel é superior a qualquer outra força sobrenatural. Sobre o poder dos magos do Egito nas primeiras pragas uma interpretação diz que os magos fizeram apenas uma aparência de serpentes com as forças do mal (engano) e não uma real transformação. O argumento para tal interpretação é que apenas Deus pode criar e não as forças do mal. Mas será isso verdade de acordo com a Bíblia?


Outro argumento é que os magos parecem replicar os que Deus havia feito mas não conseguiram remover a praga visto que o faraó pede sempre a Moisés para remover a aflição sobre o Egito. Ambas interpretações são especulações que presumem que as forças do mal são limitadas pelo Deus de Israel. No próximo texto elaboro sobre poderes sobrenaturais e sua influência sobre o mundo natural na Bíblia Hebraica, e no Novo Testamento.

Friday, July 3, 2020

Aplicações de topônimos bíblicos

É legítimo fornecer aplicações alternativas de lugares bíblicos. Por exemplo, os Cristãos dão uma aplicação alternativa de "Israel" como a igreja Cristã (crentes messiânicos). Se assim for, qual será o significado para o “Egito”, “Tiro”, “Nínive”, “Efraim”, “Judá” (Israel moderno?)? Você tem uma opinião sobre isso?


Essa pergunta aborda duas suposições que alguém pode ter ao ler a Bíblia. Ambas estão intimamente ligadas, como explicarei. O primeiro é baseado na sua palavra "aplicação". Crentes Cristãos e Judeus pensam que a Bíblia é a palavra de Deus e, portanto, suas palavras são eternamente verdadeira. Assim, quando Deus falou aos Israelitas que deixaram o Egito, acredita-se que Deus realmente falou à toda humanidade, ou pelo menos à todos aqueles que se consideram povo de Deus (Israel). Essa ideia já está se encontra em Deuteronômio 5:3, quando Moisés diz à segunda geração de Israelitas que Deus falou à eles no mt. Sinai, quando historicamente não era esse o caso. “Não com nossos pais o Senhor fez esse pacto, mas conosco, que hoje estamos todos vivos.“ Os profetas ecoam esse entendimento de que os ensinamentos de Deus aos Israelitas que deixaram o Egito (a Torá de Moisés) ainda eram válidos para eles que viveram séculos depois. Os autores do Novo Testamento também adotam essa visão (por exemplo, 1 Cor 10: 1-11; Hebreus 4: 1-2), como todos os crentes Judeus e Cristãos.

Como o texto bíblico é antigo, condicionado pelo espaço e pelo tempo, é imperativo transpor o significado antigo para o presente. Assumindo essa perspectiva, o texto pode dizer X, mas na verdade pode significar A, B ou C, dependendo não apenas do contexto original do autor, mas do leitor. Nesta dinâmica complexa do relacionamento textual, as referências geográficas também são transpostas. É uma mudança de espaço para um lugar. Um lugar é um espaço ideal, construído por seres humanos, não natural. Ambos (lugar e espaço) são reais, mas suas realidades são baseadas em fundamentos ontológicos distintos.

Tomemos por exemplo Jerusalém. Na sua dimensão espacial, é o nome de uma cidade localizada nas montanhas a oeste do Mar Morto e a leste do Mar Mediterrâneo. Na Bíblia Hebraica, quando Salomão constrói o Templo lá, torna-se o lugar onde Deus habita. Jerusalém a partir de então está relacionada à idéia - lugar de Deus. Como o trono de Deus está no céu (1 Rs 8), escritores judeus posteriores se referirão a Jerusalém do céu e da terra (Ap 21: 1-2; Bab. Talmud Ta'anit 5a). Supondo que Deus estivesse presente na igreja, alguns cristãos interpretaram Jerusalém e, finalmente, Israel como a congregação cristã, e a igreja como o santuário. Essa transferência de significado é puramente ideológica e não tem raízes na fisicalidade do espaço original das Escrituras.

Essa transferência de topônimos para a esfera de idaias avança quando os lugares foram identificados com comportamento e grupos de pessoas. Esse entendimento ético, em parte, se baseia na suposição de que o mundo está dividido em dois grupos de pessoas, boas e más. Tomemos, por exemplo, o Egito. Na Torá, esse país Africano é o espaço que serve de refúgio para Abrão e Jacó em tempos de fome. Mas também se tornou um lugar de abuso quando os Israelitas foram oprimidos pelo Faraó e seu governo. Como a leitura ética das Escrituras tende a ter uma visão míope ou atomística da realidade, o que é enfatizado por escritores posteriores é o caráter opressivo do Egito, não o hospitaleiro. A fuga do Egito (Êxodo) tornou-se paradigmática para autores posteriores que se referem a novos casos de opressão como um retorno ao Egito. Isaías aplica essa noção à invasão Assíria da terra de Israel (Is 10: 24-26; 11:16; 52: 4) e o livro do Apocalipse vê no Egito, como Babilônia, o futuro inimigo do povo de Deus (Ap 10). 16-17), embora não houvesse Babilônia como cidade real atacando o povo de Deus no primeiro século da era comum. Por sua vez, a Babilônia do Apocalipse foi interpretado por muitos Cristãos como como representando os poderes políticos que perseguiam os Cristãos, como o Império Romano, os Muçulmanos, ou até outro Cristãos que discordavam dos perseguidos.

Essa leitura ética e dicotômica das Escrituras é evidente na maneira como os autores dos Manuscritos do Mar Morto interpretaram algumas profecias. Em um comentário sobre Nahum, a queda de Nínive é entendida como a destruição de um grupo de Judeus (Fariseus). No mesmo comentário sobre Nahum, Efraim é identificado como aqueles que falam falsamente, e aplicado aos Israelitas atuais que aos olhos do autor estavam ensinando falsidades. Esses Judeus são identificados como tais porque se opunham às interpretações da tradição da comunidade do autor dos pesharim (comentário), que se viam como os verdadeiros seguidores de Deus, portanto os Israelitas. Essa identificação de Israel como bom e seus inimigos bíblicos como os maus, é a suposição central dessa reaplicação topográfica das Escrituras. A lógica é simples. Como Israel é o povo de Deus, lugares antagônicos a Israel em sua história são entendidos de uma perspectiva ética. Para os leitores que seguem essas suposições, basicamente todos os topônimos das Escrituras são reinterpretados (por exemplo, Tiro, Ezequiel 28; 12 Tribos de Israel, Ap 7).

Como historiador, o que procuro quando me deparo com tais interpretações é saber quais são as características do grupo bom e do grupo ruim em discussão. A partir daí, percebo que o resto é apenas uma questão de combinar os inimigos do autor com os mocinhos e bandidos bíblicos.

Friday, June 26, 2020

Mudanças de Nome



O texto bíblico possui em sua narrativa jogos de palavra nítidos em Hebraico. Nome de pessoas e lugares são modificados de acordo com a situação, como Abrão para Abraão, Jacó para Israel. Podemos inferir então que o evento histórico foi modificado com o passar do tempo com objetivos literários?

Os episódios do passado são preponderantemente trasmitidos de forma oral. Pense na vida de seus familiares. Quantos deles escreveram diários que foram preservados? Via de regra, apenas alguns histórias são estruturadas e documentadas em forma escrita. Histórias são baseadas em (1) testemunhas oculares, (2) reportagens, testemunha secundária ou tradição oral, (3) reportagem, testemunha secundária de forma escrita. O próprio ato de escrever, passar do oral para escrita, requer intencionalidade. Seletividade, organização e estrutura é necessário para transmitir adequadamente uma mensagem. Assim, o texto bíblico não é diferente. As suas narrativas são seleções organizadas inteligentemente com o objetivo de transmitir uma messagem (e.g. João 20:30,31).

Nesse processo de transmissão a mensagem é moldada para determinados fins. Assim, percebemos no texto bíblico que nomes de lugares e pessoas evoluem como parte do enredo. A medida que as coisas mudam, os nomes também mudam. A fonte de água de Jerusalém outrora chamada Rogel, passa a ser chamada Gihon, mesmo nome de um dos rios do Éden (Gên 2:13; 2 Cr 32:30; Josué 18:16; 1 Reis 1). Isso possibilitou a tradição rabínica de identificar Jerusálem como sendo o paraíso de Deus. Outras vezes, pessoas são nomeadas por suas características físicas ou expectativas dos pais. Esaú é chamado de Edom (Hebraico – vermelho) por causa da cor vermelha da lentilha (comida) que ele trocou por sua primogenitura (Gên 25:30). Curiosamente, Esaú é também descrito como uma crianças cheio de cabelos ruivos (vermelho), ligando ao nome do território que ele habitaria, Seir (Hebraico – cabelo; Gen 25:25 e 32:3, 36:8). Jacó, nomeado após sua atitude de engano, tem seu nome mudado para Israel após lutar com o anjo do Senhor (Gên 32:28).

Seriam essa mudanças original à narrativa? É difícil de ser dogmático. Pode ser que em determinados casos, a mudança de nomes fora original quanto que em outras a mudança fora efetuada editorialmente. Por exemplo, será que Isaque chamava seu primogênito de Esaú, Edom e Seir? O texto não deixa claro, possivelmente não. Já no caso dos Hebreus na Babilônia a narrativa do livro de Daniel indica que o rei mudou seus nomes para vocábulos locais. Faz sentido que eles passaram a ser chamados por tais nomes Babilônicos (Dan 1:7).

É importante notar que certos nomes permitiam um certo jogo com palavras tais que os autores usavam para fins comunicativos. Por exemplo, Em Hebraico o nome de Jesus (Josué) significa ele salvará. Vemos então em Mateus 1:21 o anjo Gabriel dizendo a José, “e darás a ele o nome de Jesus (ele salvará), pois ele salvará o seu povo dos seus pecados.” Outro exemplo é o nome do profeta Daniel, que em Hebraico significa Deus é meu juíz. Um tema central no livro é o julgamento divino sobre as nações.

Nem sempre nomes próprios possuem significados ou estão ligados à mensagem da narrativa, mas quando estão é importante ao leitor que ler o texto bíblico em traduções, conhecer um pouco do Hebraico a fim de avaliar melhor as nuâncias literárias ali contidas.

Sunday, June 21, 2020

Em Romanos 11, Paulo se refere à salvação de todo o Israel. Quem são eles?


A lição 19 (Paulo e Romanos: Israelitas e Povo de Deus) tratou de Romanos 11. No v.26, Paulo se refere à salvação de todo o Israel. Quem são eles?


Conforme vimos nessa aula do Contexto Judaico do Novo Testamento, em Romanos 11, Paulo argumenta que Deus não rejeitou Israel (v.2) porque eles rejeitaram Jesus como o Messias (Rm 10: 16-21). Embora Deus considerasse a não aceitação deles como rebelião. Paulo argumenta que, porque nem todos os Israelitas aceitaram Jesus como o Messias, apenas alguns ou remanescentes foram escolhidos pela graça (v.5, 7). Mais tarde, Paulo argumenta que se os Judeus que rejeitaram Jesus se arrependessem, seriam enxertados na oliveira (v.20, 23). Então, ele continua dizendo que, mesmo após o endurecimento do coração de alguns Israelitas, todos seriam salvos por causa de sua eleição por Deus, que é um presente irrevogável. Eles são salvos pela graça, não por suas obras de rejeitar temporariamente o Messias (v.28-32).

Isso significa que todos os Israelitas étnicos seriam salvos, independentemente da crença em Jesus? Primeiramente é importante esclarecer que Israel é o nome de Jacó, e os Israelitas estritamente falando são os descedentes étnicos de Jacó/Israel. No entanto, é importante notar que após a monarquia dividida no período de Roboão e Jeroboão (1 Reis 12-13), as 9 tribos e ½ ao Norte de são identificadas como reino de Israel, enquanto que as 2 tribos e ½ ao Sul são identificadas como reino de Judá. Assim, o termo Israelita pode ter ganhado uma nova conotação, os habitates do reino do Norte. Mesmo que etnicamente os habitantes o reino do sul também fossem Israelitas. Além disso, sabemos de outras etnias que moravam na terra de Israel e nas narrativas bíblicas elas não são enfatizadas.

Deve-se levar em conta também, que na época de Paulo, não está claro se a afiliação tribal estava bem preservada e se os descendentes das 12 tribos estavam vivos e claramente identificados. Ouvimos no NT referências a algumas tribos como Levitas, Benjamitas e Judeus. A importância de manter a genealogia Levita era por causa do sacerdócio. E a genealogia de Judá por causa do reinado após Davi. Qualquer outra afiliação tribal era politicamente irrelevante. A preservação da linhagem de Benjamim no caso de Paulo, um Israelita da diáspora, indica que para muitos isso ainda era importante e digno de manter em registros.

Em Apocalipse 7, há um registro das 12 tribos de Israel, mas com uma lista modificada da Torá. As tribos de Dã e Manassés são excluídas e as de Levi e José estão incluídas. Isso indica o provável caráter simbólico desta lista. Portanto, ao ler a referência a "todo Israel" em Romanos 11:26, é necessário considerar que, no século I, alguns Cristãos Judeus estavam se referindo a Israel como uma representação do povo de Deus, e não necessariamente à Israelitas étnicos no sentido estrito, como alguém que tem um DNA de Israel. Não sabemos se todas as tribos necessariamente mantinham registros de sua genealogia. Este último ponto é especulativo com base na ausência de evidências, o que, é claro, pode estar errado, mas poderia sugerir que a essa altura os Judeus não estavam preocupados com uma genealogia estrita para determinar o status de um Israelita.

Outro ponto a considerar. Se Paulo em Rom 11 estava sugerindo que todos os Israelitas étnicos seriam salvos, isso aparentemente contradiz o que ele sugeriu em Rom 2. Lá, ele argumenta que aqueles que crêem em Jesus ao ouvir a lei seriam justificados, independentemente de sua etnia. Lá, ele também articula a ideia de que nem todos os Judeus circuncidados ou étnicos são considerados Judeus. O status judaico, para Paulo, é avaliado não na circuncisão física, mas na circuncisão do coração (vv.28-29). Isso estaria de acordo com a ideia de identidade não baseada no DNA físico.

A partir disso, parece possível ver Israel como uma entidade composta por Judeus e Gentios étnicos que aderiram à fé de Israel e à lei. Na mente de muitos na antiguidade, o comportamento determinava a genética. Assim, ser um Judeu era viver como um Judeu. Nesta perspectiva, a referência à salvação de “todo o Israel” (v.26) poderia estar se referindo àqueles que eventualmente se alinharam a Deus. De acordo com Ef 2 e Gál 2-3, Judeus e Gentios que criam em Jesus como o Cristo estavam nEle. Visto que Jesus é filho de Abraão, todos os que estão em Cristo são herdeiros de Abraão, de acordo com a promessa. Portato, o crente misticamente se tornava participante de Israel. Parece que, para Paulo, a identidade Israelita diz respeito à salvação definida à luz da fé em Jesus. Dessa maneira, aqueles que não eram crentes em Jesus seriam excluídos da linhagem de Abraão e Israel. O status deles mudaria.

Que tal perspectiva de mudança de status era reconhecida entre os Judeus durante esse tempo é evidente no esforço dos Fariseus em converter Gentios, tornando-os "Israelitas". Ouvimos no debate de Jesus com as autoridades Judaicas a noção de que a etnia espiritual era o que contava (filhos de Deus ou filhos do maligno - João 8: 31-59; ver também 1 João 3). Filho de Deus é aquele que Lhe obedece.

Nesta perspectiva, Paulo não está mudando de uma definição étnica para não étnica (espiritual) do termo no capítulo, uma vez que alguém que está em Cristo se tornou um Israelita. É a perspectiva do leitor que distingui claramente entre físico e espiritual que pode ter complicado o entendimento dessa passagem. Quando é entendido à luz das categorias da antiguidade, faz sentido o que Paulo explica.

Fontes: Hans K. LaRondelle, O Israel de Deus na Profecia. Unaspress, 2002.
“Medicine” (Heidi Marx-Wolf) cap. 4 em Late Ancient Knowing. University of California Press, 2015.

Wednesday, June 10, 2020

PENTECOSTES (Shavuot)


Recentemente Israel celebrou Shavuot (Pentecostes), e aproveitei para escrever uma reflexão para os alunos do Israel Institute of Biblical Studies que compartilho abaixo.


Logo após a partida do Egito, Deus ordenou que os Israelitas separassem dias específicos durante o ano (Heb. moedim) para comemorar as ações de Deus em seu favor. A Páscoa, no 1º mês, começaria o calendário deles, lembrando o poderoso ato de Deus ao  libertá-los da opressão dos egípcios (Êxodo 12).

“No dia seguinte ao sábado”, após sete semanas completas (ciclos de sete), após a Páscoa, os Israelitas deveriam celebrar as Primícias (Yom haBikkurim). Em seguida, os Israelitas deveriam celebrar Pentecostes (Shavuot - Lv 23: 9-15). Sete semanas após a dedicação dos primeiros grãos brotando do solo, eles deveriam trazer o grão novamente. Agora o grão estava em sua maturidade. As celebrações das Primícias e Pentecostes estão entrelaçadas e ligadas à agricultura da terra de Israel. Ao trazerem os grãos (por exemplo, cevada, trigo, grão-de-bico) ao Senhor, os Israelitas estariam demonstrando que suas vida dependiam de Deus. Os grãos são a principal fonte de alimento nas terras bíblicas, solo que depende da chuva e não de rios para brotar (Dt 11: 10-12). Também haveria uma festa de colheita para os frutos, mas essa ocorreria no outono, no sétimo mês, durante a celebração das Tendas ou Tabernáculos (Sukkot).

Cinqüenta dias após o Sábado, logicamente sempre caíam no domingo (primeiro dia da semana). No entanto, uma tradição rabínica, posterior, sugeriu que o sábado (Lv 23: 11,15) que serve de referência para contar (Heb. omer) as sete semanas ou quarenta e nove dias, era o dia em que o cordeiro da Páscoa era consumido, o 15º de Nisã. O significado da palavra sábado aqui seria então genérico, traduzido como cessação. Sobre isso, nem todos os Israelitas concordaram. A maioria dos Israelitas (Boetusianos, Manuscritos do Mar Morto - Essênios, Karaítas, Samaritanos) entendeu que "o Sábado" era o sétimo dia da semana. Esta última posição é indicada pela referência a “sete setes / semanas completas” (v.15). Uma semana em Gên 1 começa no domingo e termina no sábado do sétimo dia. Assim, as duas festas da dedicação do grão (Primícias e Pentecostes) sempre caíam no primeiro dia da semana.

A tradição rabínica também desenvolveu a ideia de que a dádiva da Torá acontecera neste dia (Êxodo Rabá 31). Isso foi derivado da passagem em Êxodo 19:1, que afirma que “no terceiro mês após os Israelitas saírem da terra do Egito” eles chegaram à região do Sinai. Embora este texto não indique qual dia do terceiro mês, é sugestivo que a única celebração sagrada de Lev 23 que caía neste mês fosse o Pentecostes. Não temos nenhuma referência explícita na Bíblia Hebraica de Israelitas indo ao templo durante esse período, mas pode-se supor que eles iam. Nos Evangelhos, também não encontramos Jesus indo à Jerusalém no Pentecostes (Shavuot), pelo menos explicitamente. No entanto, lemos no Evangelho de João algumas instâncias durante sua vida adulta, quando Jesus foi à Jerusalém no período de alguns tempos sagrados (veja abaixo).

Páscoa/Pesach (פסח)
Quando já estava chegando a Páscoa judaica, Jesus subiu a Jerusalém. (João 2:13)
Um festival não identificado
Algum tempo depois, Jesus subiu a Jerusalém para uma festa dos Judeus. (João 5:1)
Tabernáculos/Sukkot (סוכות)
Contudo, depois que os seus irmãos subiram para a festa, ele também subiu, não abertamente, mas em segredo...no último e mais importante dia da festa...(João 7:10, 37)
Dedicação/Hanukkah (חנוכה)
Celebrava-se a festa da Dedicação, em Jerusalém. Era inverno, 23 e Jesus estava no templo, caminhando pelo Pórtico de Salomão.  (João 10:22-23)
Páscoa/Pesach (פסח)
Ao se aproximar a Páscoa judaica, muitos foram daquela região para Jerusalém a fim de participarem das purificações cerimoniais antes da Páscoa ... Seis dias antes da Páscoa Jesus chegou a Betânia, onde vivia Lázaro, a quem ressuscitara dos mortos. (João 11:55; 12:1)

Em Lucas 2:41-42, lemos "Todos os anos seus pais iam a Jerusalém para a festa da Páscoa. Quando ele completou doze anos de idade, eles subiram à festa, conforme o costume."

De acordo com a Torá (Êxodo 23:14-17), os Israelitas deveriam comparecer ao santuário pelo menos três vezes ao ano, durante a Páscoa (Pessach), Pentecostes (Shavuot) e Tabernáculos (Sukkot). Portanto, a partir daqui, pode-se supor que Jesus, juntamente com sua família, fosse à Jerusalem durante Pentecostes, bem como em outros tempos sagrados.

Por fim, lemos em Atos 1 que Jesus foi à Jerusalém precisamente para esta ocasião, mas desta vez, Jesus parte (para o céu) antes do festival. Há uma tradição que vê a ascensão de Jesus como a razão do derramamento do Espírito no capítulo 2. À luz dos rituais do santuário e da epístola aos Hebreus, alguns dizem que quando Jesus subiu ao céu, ele foi ungido sacerdote, e o que Jesus recebeu no céu foi confirmado com Seus seguidores na terra com a unção do Espírito Santo. É interessante notar que, na tradição rabínica, Pentecostes é o dia da revelação de Deus no Monte. Sinai com fogo, semelhante ao que acontece com Atos 2 quando labaredas são visualizadas na sala com os discípulos.


Friday, May 22, 2020


Qual a diferença na Bíblia entre animais e homens visto que ambos são seres viventes (nefesh hayah)?

Em Gênesis 1 lemos no relato da criação várias semelhanças e diferenças entre os animais e os seres humanos.
Semelhanças:
Chamados – nefesh hayah; eles movem; são frutíferos e se multiplicam; mesma dieta vegetariana.

Diferenças:
Humanidade criado a imagem de Deus x Os animais cada um segundo sua espécie
O clímax do relato que é elaborado no cap.2 é a criação da humanidade.
Os homens deveriam subjulgar os animais (v.28)

Assim, já nos primeiros capítulos da Bíblia é diferenciado os seres vivos indicando o status especial da humanidade. No final do capítulo 3, após a desobediência da humanidade, a criação é amaldiçoada (3:14,17) e inicia-se os rituais de sacrífio, com a morte de cetos animais (Gen 4, 8). Para Noé é repetido o que foi dido à humanidade em Gên 1, que as criaturas da terra seriam submissas à humanidade (9:1-2) com o agravante agora que a dieta poderia incluir animais. No entanto, Deus proibe a ingestão de sangue por conter a vida do animal. Basta ao homem tirar a vida (nefesh), não comê-la. Quanto ao destino de ambos após a morte, no livro de Eclesiastes é mencionado que ambos vão ao mesmo lugar, do pó vieram e ao pó retornam (3:18-21).

Após o dilúvio, certos animais se comportam de maneira dócil e são ou irrelevantes na narrativa ou usados pelos homens como meio de transporte, alimento ou sacrifício. Em outras ocassiões, no entanto, os animais se opõem aos seres humanos e entram em conflito com eles, como no caso de Sansão (Juizes 14:8), Davi (1 Sam 17:34; Sal 17:12). Eles também aparecem como devoradores dos homens (Jezabel  - 1 Reis 21:23-24; 2 Reis 9:10; meninos rebeldes - 2 Reis 2:24). Eles também são usados por Deus para julgar a impiedada humana (e.g. pragas no Egito; maldições da aliança em Deut 28:26, 38, 42; Joel 2:25).

Em alguns casos estranhos, os animais são contrastados com a impiedade ou inabilidade humana em reconhecerem o poder divino (e.g. Balaão - Núm 22:27-31; o falso profeta - 1 Reis 13:28). Essa inimizade na natureza entre homens e animais, na visão profética de Isaías,  seria finalmente terminada com a restauração da lei divina. É o retorno ao Éden em Gênesis 1 e 2 onde ambos são vegetarianos e vivem em harmonia.

“O lobo viverá com o cordeiro,
    o leopardo se deitará com o bode,o bezerro, o leão e o novilho gordo    pastarão juntos;e uma criança os guiará.A vaca se alimentará com o urso,    seus filhotes se deitarão juntos,e o leão comerá palha como o boi.A criancinha brincará    perto do esconderijo da cobra,a criança colocará a mão    no ninho da víbora.Ninguém fará nenhum mal,    nem destruirá coisa algumaem todo o meu santo monte,    pois a terra se encherádo conhecimento do Senhor    como as águas cobrem o mar.
Naquele dia as nações buscarão a Raiz de Jessé, que será como uma bandeira para os povos, e o seu lugar de descanso será glorioso. (Isa 11:6-10)

“O lobo e o cordeiro comerão juntos,e o leão comerá feno, como o boi,
mas o pó será a comida da serpente.
Ninguém fará nem mal nem destruição
    em todo o meu santo monte”,
diz o Senhor.” (Isa 65:25)